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EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Cultura Caiçara e meio ambiente

Silvia Regina Paes*

     Pensar em cultura caiçara e meio ambiente é refletir sobre o conhecimento acumulado há gerações. Este conhecimento refere-se aos espaços litorâneos – o rio, a mata, o mar, a praia e o mangue – e o conhecimento sobre clima, sobre o tempo de plantar, de colher, de caçar e de pescar. Esse conhecimento que serve de suporte para pensar a Educação Ambiental  da ACAJU.

Temos muito que aprender com as culturas ditas tradicionais e suas importantes lições de ecoética. No mundo contemporâneo, principalmente no campo da educação, fala-se na necessidade de buscar novos valores humanos, o que, na realidade, não são novos, mas velhos valores que se perderam: justiça, ética, respeito e tantos outros. Os educadores que estão repensando a educação vão pesquisar na mitologia dos povos indígenas, gregos, indianos, chineses e outros, antigas lições; lições de como conviver com o outro, seja este a natureza ou o ser humano. Não devemos esquecer que o ser humano também é um ser natural. Sendo assim, o melhor seria refletir sobre alternativas para a reintegração do ser humano à natureza.

          Atualmente se fala em economia sustentável, em desenvolvimento sustentável e em cada região de nosso país há culturas que sobrevivem e detêm as técnicas de um viver sustentável e que, num passado não tão longínquo, eram autônomas, não dependiam dos grandes centros da economia para sobreviverem. Havia, em grande parte, e ainda há, atualmente em pequenas proporções, uma relação de equilíbrio entre o homem e a natureza, principalmente nas culturas indígenas. Esta é a principal herança da cultura caiçara. Não por serem boazinhas, ou por tentarmos idealizar essas culturas, mas por elas deterem outras técnicas de manuseio dos espaços naturais e outra lógica econômica. Pois elas sabem que dependem da natureza, portanto têm que protegê-la, ou têm que aprender a conviver com o mundo natural de forma equilibrada. São detentoras de uma outra visão de mundo completamente diferente da lógica dominante na sociedade ocidental capitalista.

           Faz-se necessário repensar o significado real do desenvolvimento. Este, até o presente momento histórico, causou um “des-envolvimento” das comunidades tradicionais caiçara e quilombola aqui no litoral. O desenvolvimento como uma trajetória que leva ao crescimento econômico-social ainda não ocorreu para as comunidades tradicionais. Com a predominância da cultura urbana, há uma imposição desta sobre os demais modos de vida, aniquilando a diversidade cultural e causando o desperdício dos conhecimentos tradicionais correspondentes.

           É importante e urgente pensar em um envolvimento sustentável entre homens e natureza. No caso do litoral, pensar e propor políticas em que haja participação da cultura caiçara em projetos públicos, dialogar com migrantes e turistas para propor pacto de responsabilidade sobre a preservação dos espaços litorâneos e da cultura caiçara. Pensar um turismo não somente para os turistas e comerciantes, mas para a população local tradicional e aquelas que passaram a residir no local. Quem ainda não adquiriu a estima pelo lugar é necessário que o adquira. E estimar significa cuidar. Ainda bem que o amor se aprende.

         A leitura do livro “O Pensamento Selvagem[1]” de Claude Lévi-Strauss faz-nos refletir sobre o conhecimento construído nas sociedades indígenas. O autor acentua que o pensamento selvagem, ou do selvagem, também é científico. Segue os mesmos princípios e procedimentos metodológicos e classificatórios da ciência convencional.

A ciência ocidental, porém, como promessa de resolver todos os problemas da humanidade, fracassou. Ao querer se livrar do mito, acaba se tornando o próprio mito. Ao subjugar a natureza acaba destruindo-a e, atualmente, temos que arcar com as conseqüências dessa presunção.

              Há urgência em se combater a “monocultura da mente[2]” como alerta Vandana Shiva. Este pensamento se traduz em reduzir a natureza a apenas um único elemento vegetal (como a substituição da diversidade de plantas por apenas uma cultura, a do eucalipto e do pinheiro), animal e humano. Ao longo da Rodovia dos Tamoios, por exemplo, em plena Serra do Mar, vemos a substituição da mata atlântica por eucaliptos e pinos.

            Um velho pescador caiçara, já falecido, observou que antigamente eles pescavam bastante e nunca faltava peixe, hoje, depois das leis de proibição da pesca, falta tudo e os peixes sumiram. O que aconteceu?

   As novas tecnologias, aplicadas na pesca, ocasionam problemas ao meio ambiente marinho. Grandes embarcações à procura de apenas uma espécie de pescado, através do uso de modernos aparelhos, acabam matando as demais.

          Preservar a diversidade cultural e natural do nosso país tem que ser a prioridade. Valorizar as experiências de gerações das populações litorâneas e ribeirinhas. Devemos unir ciência do concreto das culturas tradicionais com a ciência acadêmica da sociedade moderna, como a Etnobiologia, a Etnoecologia, a Antropologia, a Filosofia e outras para que juntas obtenham uma resposta adequada a um projeto de sustentabilidade ambiental.

   Enfim, não devemos pensar as comunidades tradicionais como atrasadas ou de “história lenta”, mas com histórias próprias. São culturas diversas coexistindo no mesmo tempo e espaço. Pensar a história não como uma linha reta, mas espiralada, em que há avanço e retrocesso, saltos e quedas.


* Caiçara, Socióloga, Assessora da ACAJU e Professora da UFVJM.

[1] LÉVI-STRAUSS, C. O pensamento Selvagem. 2a. edição. Campinas/SP:Papirus, 1997.

[2] SHIVA, V. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003.

 

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